terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

FRIOS FEITO GELO


Raquel Rocha
Economista, Comunicóloga, Psicanalista e Especialista em Saúde Mental
Membro da Academia de Letras de Itabuna



Os nomes são muitos, Transtornos de Conduta Antissocial, Desordem de Personalidade Dissocial, Personalidade Sociopática, Psicopatia, Sociopatia. No CID 10 (Classificação Internacional das Doenças) encontramos o código F60.2 e a nomenclatura Transtorno de Personalidade dissocial. No DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) o código é  301.7 e o nome de  Desordem de Personalidade Antissocial.

“Com base nos critérios descritivos da psicopatia da obra de Cleckley (1941/1976), a American Psychiatric Association apresentou a categoria chamada Distúrbio da Personalidade Sociopática na primeira versão do DSM (Vaugh & Howard, 2005). O termo sociopatia, em sua acepção mais intuitiva, caracteriza um padrão recorrente de comportamentos socialmente desviantes. Não implica necessariamente psicopatia, que é um construto mais complexo e envolve aspectos interpessoais e afetivos, além do comportamento anti-social. Contudo, a utilização do termo sociopata, àquela época, mostra uma tentativa por parte da comunidade científica em atentar para os determinantes sociais da psicopatia (Vaugh & Howard, 2005). Essa mesma nomenclatura, Distúrbio da Personalidade Sociopática, apareceu na segunda edição do DSM e então, na terceira edição, foi substituída pelo termo Transtorno da Personalidade Anti-Social (Arrigo & Shipley, 2001), que se mantém até hoje no DSM-IV-TR (APA, 2002)”
 (Nelson Hauck Filho, Marco Antônio Pereira Teixeira, Ana Cristina Garcia Dias:  Psicopatia: o construto e sua avaliação. Aval. psicol. v.8 n.3 Porto Alegre dez. 2009, grifo nosso)

Alguns autores classificam o Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS) como sendo a mesma coisa que psicopatia e sociopatia. Alguns manuais evitam o termo Psicopatia, para evitar a confusão e há ainda os que classificam a Psicopatia dentro do TPAS, mas atribuído a casos extremos.

“Como visto anteriormente, a psicopatia não deve ser confundida com o TPAS. De fato, a psicopatia só se caracteriza em uma parcela dos casos de TPAS.(...) Então qual seria a vantagem de se investigar a psicopatia e utilizar esse termo? A resposta pode ser encontrada na própria história do construto: o termo surgiu para designar quadros de comportamentos anti-sociais extremados, usualmente associados a crimes violentos e bárbaros, em que as faculdades da razão não pareciam prejudicadas.” (Nelson Hauck FilhoI,; Marco Antônio Pereira TeixeiraI, ; Ana Cristina Garcia Dias,  Psicopatia: o construto e sua avaliação. Aval. psicol. v.8 n.3 Porto Alegre dez. 2009, grifo nosso)

“Existem outros transtornos, com características bastante semelhantes aos da psicopatia, que também são conhecidos, tais como o transtorno de personalidade antissocial (TPAS) e a sociopatia. Embora compartilhem da maioria dos sintomas, a psicopatia apresenta, segundo Hare (1991), características que não estão presentes nos antissociais e sociopatas. Em contrapartida, a APA (2002) classifica o transtorno de personalidade antissocial como sendo igual à psicopatia e a sociopatia. Deste modo, o TPAS, a psicopatia e a sociopatia não são categorias distintas, mas sim categorias sobrepostas e complementares (SHINE, 2000). Portanto, é possível inferir que todos os psicopatas devem ser considerados antissociais e sociopatas, mas destes nem todos podem ser considerados psicopatas (BLAIR, 2003; MORANA, 2004)
(Psicopatia em homens e mulheres, Cema Cardona Gomes e Rosa Maria Martins de Almeida, grifo nosso)

No CID 10, no agrupamento de Transtornos das personalidades, a Personalidade Dissocial (F60.2) vem subdividida em: Amoral, anti-social, associal, psicopática e sociopática (Plataforma Datasus, Ministério da Saúde). O diagnóstico exclui transtorno de conduta (F91.) e Personalidade do tipo instabilidade emocional (F60.3)  

Diante de tantas nomenclaturas e conceitos, vamos nos ater a abordagem que caracteriza a Psicopatia como uma das formas do Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS), sendo a Psicopatia a forma mais grave. Portando neste texto será utilizado as nomenclaturas Psicopatia e TPAS.

O TPAS, (e por conseguinte a Psicopatia) é uma desordem de personalidade caracterizada pelo desprezo as regras sociais, frieza e ausência de empatia. A falta de emoções e ausência de culpa são as principais características do psicopata. O portador da Personalidade Antissocial, devido a sua incapacidade de se colocar no lugar do outro e sentir a dor do outro, pode vir a cometer crimes com fortes traços de crueldade, esses são os chamados Psicopatas.
                                                                                        
O Psicopata é um indivíduo amoral que vive segundo suas próprias regras. Ele vê as pessoas como coisas, e como tais podem usadas segundo seus interesses. Não possuem emoções por isso são extremamente racionais, chegando a apresentar uma inteligência acima da média. São eloquentes, conseguem convencer os outros do que querem. Não sentem emoções mas aprende a imitá-las muito bem por isso são excelentes atores e gostam de se fazer de vítimas. São narcisistas, egocêntricos e egoístas, tem baixa tolerância a frustrações e uma tendência a irritabilidade e agressividade, mas conseguem esconder bem suas características, podendo aparentar uma pessoa muito calma.

Como não há sentimento, também não há o apego. Eles se entediam muito rápido e precisam se sentir estimulados constantemente. Não ficam muito tempo em um emprego e possuem uma tendência a serem parasitas, explorando os outros para viver. Suas relações conjugais são curtas e numerosas e eles não estabelecem metas a longo prazo. Também se identifica no TPAS uma conduta sexual promiscua.

Possuem uma atitude de dominância e autoestima elevada, se acham superiores às outras pessoas porque não tem as mesmas “fraquezas” (emoções) que “limitam” as pessoas normais. Não sentem vergonha nem medo de desaprovação, o outro não tem importância para ele (a não ser como um objeto) e eles são capazes de ficar longos períodos sozinhos.

As causas da Psicopatia são controversas entre os estudiosos. Há correntes que defendem que ela é causada por uma predisposição genética, outros alegam uma disfunção na biologia do cérebro (no lobo frontal e no Sistema Límbico). E alguns argumentam o meio social, mas especificamente traumas psicológicos sofridos na infância (abusos, negligência, violência física e emocional).

Ao que tudo indica o transtorno junção de dois ou mais fatores.  Se predisposição genética por si só desencadearia o transtorno é algo muito debatido. Del-Bem (2005)  discorre sobre as possíveis causas:

“Sabe-se pouco a respeito das causas do TPAS, mas seria ingenuidade negligenciar a influência de fatores psicossociais no desenvolvimento de comportamento anti-social. A ocorrência de eventos estressores nos primeiros anos de vida, como conflitos entre os pais, abuso físico ou sexual e institucionalização, tem sido associada ao TPAS (O’Connell, 1998; Cadoret, 1991). Em uma revisão a respeito dos fatores de risco para o desenvolvimento de transtorno de conduta ou de personalidade anti-social, Homes et al. (2001) concluem que nenhum fator isolado pode ser identificado como agente causal de TPAS, mas alguns específicos, quando combinados, poderiam predispor ao desenvolvimento de comportamento anti-social na vida adulta.” (Cristina Marta Del-Bem, Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social)

A biologia do cérebro também pode desencadear o transtorno. O Sistema límbico, por exemplo, é responsável pelas emoções, sentimentos e comportamento sociais, é onde se desenvolvem as funções afetivas, sensações de culpa e prazer. O amor, a raiva, o medo, alegrias e tristezas são sentimentos originados no sistema límbico. Já ao lobo frontal cabe, entre outras, a função de raciocínio e comportamentos voltados para o convívio social, prevenção das consequências das condutas adotadas além da utilização de padrões éticos e morais. O comportamento, adotado pelo lobo frontal decorre da informação recebida no sistema límbico, por isso um dano em uma dessas áreas, levaria o indivíduo a um comportamento desprovido de emoções culpa.

“Os estudos de neuroimagem estrutural com ressonância nuclear magnética apontam alterações volumétricas do lobo frontal no TPAS. Comparando pacientes com diagnóstico de TPAS com controles não clínicos, pacientes com dependência de substâncias psicoativas e pacientes com outros diagnósticos psiquiátricos, Raine et al. (2000) verificaram que os pacientes com TPAS apresentavam uma redução do volume da matéria cinzenta pré-frontal e que esta redução correlacionavase com uma diminuição da resposta autonômica a um evento estressor provocado experimentalmente – no caso, a realização de um discurso.” (Cristina Marta Del-Bem, Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social. Grifo nosso)
                               
“A amígdala é outra estrutura que estudos volumétricos tem implicado na fisiopatogenia do TPAS. Tiihonen et al. (2001) verificaram que o volume da amígdala correlacionou-se negativamente com os escores do PCL-R em criminosos violentos. Também foi descrita uma associação entre escores elevados no PCL-R e reduções bilaterais do volume de hipocampo posterior em criminosos violentos (Laasko et al., 2001). Esses últimos resultados devem ser tomados com cuidado, por se tratarem de amostra pequena, com comorbidade com dependência ao álcool e sem grupo-controle.”  (Cristina Marta Del-Bem, Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social)

O meio social também parece ter grande interferência, embora não sabemos se ele funcional como fator causal, desencadeador ou agravante.

“O que se observa, de fato, é que poucos estudos se dispuseram a explorar de maneira sistemática a correlação entre eventos/experiências de vida e personalidade anti-social, provavelmente devido à complexidade inerente ao delineamento de projetos capazes de controlar alguns vieses metodológicos. Um bom exemplo dessas limitações seria a associação de maus tratos na infância com o desenvolvimento de TPAS na vida adulta. Esta associação poderia, na verdade, confundir uma associação genética, já que a instituição de maus tratos a filhos é uma das características clínicas que podem estar presentes no TPAS. Por outro lado, TPAS também ocorre em pessoas sem história de conflitos familiares ou estressores significativos na infância e há evidência de predisposição genética (McGuffin e Thapar, 1992). A hereditariedade parece contribuir em grau substancial para o desenvolvimento de comportamento anti-social. Em uma metanálise de estudos com gêmeos e crianças adotadas, Mason e Frick (1994) verificaram que 50% da variância encontrada nas medidas de comportamento anti-social poderiam ser atribuídas a fatores genéticos.” (Cristina Marta Del-Bem, Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social)
                                                                                                                                                                   
A Associação Americana de Psiquiatria (APA) define que o menor de 18 anos não deve ser classificado como psicopata, já que sua personalidade ainda não está plenamente formada. No entanto, os considerados Psicopatas na fase adulta manifestam o transtorno geralmente na infância. São crianças que mentem, dissimulam, maltratam animais e outras crianças, não respeitam autoridades, manipulam para conseguir o que querem. Há ainda uma tendência a piromania, que se constitui no prazer em atear fogo à coisas (também animais) e a provocar incêndios.

Na adolescência cometem atos de delinquência, testando seus limites. Quando adultos podem ou não vir a se tornarem criminosos. Embora os psicopatas assassinos sejam bastante conhecidos, a grande maioria dos portadores do distúrbio não chegam a matar. Todos no entanto mentem e manipulam para conseguir o que querem.

São conscientes dos códigos de condutas sociais por isso não respondem penalmente pelos seus crimes. A desordem de personalidade pode se apresentar em diferentes níveis, o leve, o moderado e o grave, como os serial killers.

A Psicanálise considera 3 tipos de estruturas psíquicas: Neurose (fobias, ansiedade, obsessão, etc), Psicose (esquizofrenia, paranoia) e Perversão. Os psicopatas se enquadram na terceira categoria.

A psicopatia não tem cura. Não existe nenhum tratamento totalmente eficaz, nem psíquico nem farmacológico. Estima-se que 25% da população carcerária seja de psicopatas, ou seja, são presos irrecuperáveis para a medicina até a atualidade. Não há muito o que fazer em relação a psicopatia, como eles não sentem remorso dificilmente procuram ajuda, e seu comportamento não é modificado com punições.

O cinema, ao longo da história, retratou diversos psicopatas, como Hannibal Lecter no filme “O Silêncio dos Inocentes”, Jean-Baptiste Grenouille em “Perfume, A História de um Assassino”, Coringa  em “Batman – Cavaleiro das trevas”  Figuras famosas na história também são consideradas Psicopatas como o imperador Calígula, e os ditadores Adolf Hitler e Saddan Hussein.

Nem todos os psicopatas são assassinos, assim como nem todos os assassinos são psicopatas. Em maior ou menor grau eles podem estar em todas as partes.  Indivíduos manipuladores, irresponsáveis, fingidores e, acima de tudo, frios. 

Para melhor compreensão da patologia recomendo o filme “Precisamos Falar Sobre o Kevin” de Lynne Ramsay, lançado em 2012.



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