segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Viver para contar - Gabriel García Márquez


Trecho do livro Viver para contar de Gabriel García Márquez
 
"...olhei para a casa de Mercedes Barcha. E lá estava ela, sentada no portal como uma estátua, esbelta e distante, e seguindo pontual a última moda daquele ano, com um vestido verde de rendas douradas, o cabelo cortado como asas de andorinha e a quietude intensa de quem espera alguém que não haverá de chegar. Não pude evitar, naquela quinta-feira de julho numa hora tão madrugadora, a sensação de estremecimento de que iria perdê-la para sempre, e por um instante pensei em para o taxi para me despedir, mas preferi não desafiar uma vez mais um destino tão incerto e persistente como o meu.
No avião em pleno voo eu continuava castigado pelas agulhadas do arrependimento. Naquela época existia o bom costume de deixar no encosto do acento dianteiro tudo que era necessário ´para escrever de forma galante. Eram umas folhas de carta com filetes dourados e envelopes no mesmo papel de linho rosado, creme ou azul, e ás vezes perfumado.
Em minhas poucas viagens anteriores eu havia usado para escrever poemas de adeus que transformava em aviõezinhos de papel e depois jogava ao vento ao descer o avião. Escolhi um azul-celeste e escrevi minha primeira carta formal para Mercedes sentada no umbral da sua casa ás sete da manhã, com o traje verde de noiva sem dono e o canele de andorinha incerta, sem nem ao menos suspeitar para quem ela tinha se vestido ao amanhecer. Eu havia escrito para ela outros recados de brincadeira, que improvisava ao léu, e só recebia respostas verbais e sempre elusivas quando nos encontrávamos por acaso. Aquelas não pretendiam ser mais do que cinco linhas para dar notícia oficial da minha viagem. No final, porém, acrescentei um PS que no instante de assinar me cegou como um relâmpago ao meio-dia: "Se eu não receber resposta dentro de um mês, vou ficar na Europa para sempre".
Mal me permiti o tempo para pensar outra vez antes de pôr a carta, ás duas da manhã, no correio do aeroporto desolado de Montego Bay. Já era sexta-feira. Na quinta semana seguinte, quando entrei no hotel de Genebra, depois de outra jornada inútil de desacordos internacionais, encontrei a carta com a resposta."

 

 

2 comentários:

  1. Ai, Gabo... tenho me identificado tanto com seu modo de ver e escrever... que chega doer. Parabéns, moço encantado. Saudades.

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  2. Ai, Gabo... tenho me identificado tanto com seu modo de ver e escrever... que chega doer. Parabéns, moço encantado. Saudades.

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