Apesar de a psicanálise ser destinada a pessoas normais (o que é a normalidade?) aliviando pequenas dores, curando neuroses e principalmente levando ao autoconhecimento, ela também tem sua função terapêutica em casos de psicose. Esse é um assunto que fica pra uma discussão futura, no momento vamos entender (ou tentar) o que é a chamada loucura.
O Grito- Edward Munch
AFINAL, O QUE É A LOUCURA?
Conceituar a loucura é difícil devido a proliferação de seu uso com múltiplos significados na atualidade. Normalmente o termo loucura é designado para referir a uma doença mental que afasta o indivíduo da realidade. Também utilizada para designar atitudes foram dos padrões normais estabelecido por determinada sociedade. Do ponto de vista psiquiátrico podemos dizer que a loucura é utilizada para descrever as psicoses, sobretudo a esquizofrenia.
Para Ballone (2005) a esquizofrenia é uma doença da personalidade que afeta a zona central do eu e altera toda estrutura vivencial. “Culturalmente o esquizofrênico representa o estereotipo do ‘louco’, um indivíduo que produz grande estranheza social devido ao seu desprezo para com a realidade reconhecida”. Ballone acrescenta ainda que o louco é alguém que rompeu as amarras da concordância cultural, menosprezando a razão ao mesmo tempo em que perde a liberdade de escapar às suas fantasias”
Para Lopes (2001), historicamente a loucura tornou-se conceituada como psicose no fim do século XIX e início do século XX. Mas depois, ao longo do século XX, psicose propriamente dita fica sendo a esquizofrenia. Ou seja, esquizofrenia, fenomenologicamente percebida, é a definição da mais típica das psicoses, a psicose padrão. O autor acrescenta que “a loucura descrita pelos trágicos gregos, a loucura descrita na bíblia, é a mesma loucura de hoje, do homem que mora em apartamento em qualquer cidade do mundo. Psicose é igual a loucura” (LOPES, 2001, p.3)
Mannoni (1971) explica o ponto de vista freudiano:
À pergunta: que é a loucura? Freud respondeu mostrando que não era preciso opor a loucura à normalidade. O que se descobre na loucura está de certa maneira já no inconsciente de cada um e os loucos simplesmente sucumbiram numa luta que é a mesma para todos e que todos temos de conduzir sem interrupção.....(mas) por que alguns sucumbem e outros não? (MANNONI, 1971 p.37)
Segundo o Vocabulário de Psicanálise de Laplanche e Pontalis (1982): No decurso do século XIX o termo psicose espalha-se, sobretudo na literatura psiquiátrica de língua alemã para designar as doenças mentais em geral, a loucura, a alienação, sem implicar, aliás, uma teoria psicogenética da loucura. (p. 502)
Freud estabelece que as psicoses são distúrbios resultantes de conflitos entre Id e a realidade. O ego fracassa ao mediar essa luta e acaba sendo arrancado da realidade, para um mundo de fantasias que tenta satisfazer o Id. Honorato e Gebara (2004) acrescenta que segundo Freud numa psicose existe a predominância do Id e a perda presente da realidade. A primeira etapa da psicose é o afastamento do Ego da realidade, a segunda é a tentativa de reparação do dano causado e de restabelecer as relações com a realidade sem restrições ao Id, remodelando a realidade. Ainda na visão freudiana o delírio na psicose é aplicado como remendo para uma “fenda” que apareceu na relação entre o Ego e o mundo externo.
Barros (2010) distancia a loucura das doenças mentais: “loucura é um tipo de comportamento, uma faceta da sociedade, presente nas mais diversas situações. Doenças mentais são transtornos de saúde que podem afetar sentimentos, pensamento e comportamento.” (BARROS, 2010, p.11).
Percebemos a diversidade do conceito de loucura, as vezes o resultado da doença mental, as vezes a própria doença, as vezes um desvio de comportamento. Na medicina o tempo não é utilizado tecnicamente por ser muito elusivo. Informalmente ele é utilizado para designar patologias como a psicose. Talvez mais apropriado que designar essas patologias o termo seja usado para designar o resultado dessas patologias na medida em que tira o indivíduo do contato com a realidade ou que faz com que o doente tenha um comportamento anormal.
No senso comum o termo loucura é utilizado para designar pessoas com atitudes que fogem aos padrões culturalmente estabelecidos pelo seu meio social. Apesar dos avanços a neurociência ainda não consegue dar respostas completas sobre a causa de todos os transtornos, nem como curá-los. Os psicóticos (com exceção dos portadores de psicose orgânica) não apresentam nenhuma alteração biológica em seu cérebro.
Esquirol (1772-1840) considerava a loucura como sendo a somatória de fatores genéticos e ambientais. Hoje em dia, depois de muitos anos de pesquisas, a psiquiatria moderna reafirma a teoria de Esquirol. O principal modelo, portanto, para a integração dos fatores etiológicos da esquizofrenia é o modelo estresse-diátese, no qual o sujeito tem uma vulnerabilidade que, colocada sob a influência de fatores ambientais estressantes leva a psicose.
REFERÊNCIAS
BALLONI
GJ - Esquizofrenias- in. PsiqWeb, Internet, disponível em <http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=108> ,atualizado em 2008. Acesso em 13/04/2011
GJ - Esquizofrenias- in. PsiqWeb, Internet, disponível em <http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=108> ,atualizado em 2008. Acesso em 13/04/2011
BARROS- Os Psicóticos e os Normais- Apontamentos sistemáticos aleatórios. http://www.hottopos.com/seminario/sem2/barros1.htm Acesso em 01/02/2011
HONORATO GM, GEBARA AC- Alguns aspectos que podem ser identificados no psicodiagnóstico de Psicose Infantil, in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, 2004.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. (1982): Vocabulário da psicanálise. Editora Martins Fontes. 1992. p. 502.
LOPES, 2001 A psiquiatria na época de Freud: evolução do conceito de psicose em psiquiatria Revista Brasileira de Psiquiatria. vol.23 no.1 São Paulo Mar. 2001
MANNONI, Maud. O psiquiatra, seu “louco” e a psicanálise, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1971
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE; Relatório Mundial da Saúde. Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2001.
Mais cedo tinha escrito um comentário e na hora de postar a internet caiu.
ResponderExcluirAgora ouvindo Paciência, de Lenine, acho ainda mais importante a discussão que você propõe do conceito e aplicação do termo "Loucura".
Não é raro que observemos os sujeitos perdidos e desconectados de si mesmo, do seu Eu, dentro da própria rotina.
E o pior é que estamos cada vez mais acostumados a isso, pq a nossa loucura finge cada vez mais convincentemente que "tudo isso é normal"...
Continuemos a cutucar, Quel. O que é loucura? O que é normal?
As perguntas são essenciais. E tenho certeza que o caminho até chegar as possíveis respostas nos apresentarão caminhos ainda mais tentadores.
Continuemos, então. Ainda que doa. Doa a quem doer. Ainda que sejamos nós mesmas.
As vezes penso que o louco sabe mais de si mesmo que os ditos "normais", porque o louco não finge, o louco não mente, o louco diz o que sente, o que pensa, o que sonha. O sujeito em seu delírio é herói, é um deus. Não é a-tóa que dizem "Só é louco quem pode, não quem quer".
ResponderExcluirôh vontade que deu de ver Ilha do Medo de novo agora... toda essa conversa de loucura... rs
ResponderExcluirEu adoro o modo como tu escreve, Quel.
ResponderExcluirNossa, como facilita minha compreensão!
Uma vez que te rotulam como louco, qualquer coisa que você diz passa a fazer parte do seu delírio (ILHA DO MEDO- SCORSESE)
ResponderExcluir"Modelo estresse-diátese, no qual o sujeito tem uma vulnerabilidade que, colocada sob a influência de fatores ambientais estressantes leva a psicose." Quem nunca se questionou sobre essa tal vulnerabilidade?
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