Livro: Conversa sobre terapia.
Autor: Bilê Tatit Sapienza
Autor: Bilê Tatit Sapienza
O
PROCESSO PSICOTERÁPICO
"Seu
paciente vem semana após semana, às vezes durante anos. Cada vez ele traz um
pedacinho da história que é a dele, que é ele. Os sentimentos mais diversos vão
passando por ali: raivas e amores, sonhos e desilusões, esperanças e temores,
culpas e vontade de poder ser melhor. Por que ele volta toda semana e continua
o desenrolar de sua história? Será que é para ter uma conversa interessante com
você? Isso não sustentaria uma terapia. Ele vem porque, a cada sessão, vocês
dois reúnem pedaços de significados que estavam dispersos na vida dele. Às
vezes, eles estão difíceis de aparecer, mas vocês acendem uma luzinha aqui,
outra ali, e começam a encontrá-los. Esses significados juntam-se e passam a
estruturar sentidos de sua vida."
O
SETTING
O
QUE É TERAPIA?
"Terapia é um momento em que é possível aprofundar o pensamento, de uma maneira inteiramente pessoal, na questão básica do sentido da vida própria.”
"Terapia é possibilidade de dirigir um olhar diferente para a própria existência e, assim, reformular significados."
"Terapia
vem da palavra grega therapeia-as, de therapeúein, e tem os significados de:
servir, honrar, assistir, cuidar, tratar. O cuidado com alguma coisa, por
exemplo, uma planta, supõe que ela deva ser plantada no solo adequado, tenha a
luminosidade de que precisa, receba água, etc. Supõe também precisar interferir,
ás vezes, naquilo que esta prejudicando o seu desenvolvimento: a terra que se
tona pobre, as pragas que atacam o tronco que se entorta. Essa interferência
significa cuidado, e podemos dizer que tal cuidado é terapêutico para a planta.
Mas cuidamos a
fim de que? Cuidamos dela para que se torne o melhor possível, a planta que
está destinada a ser: para que ela dê as peras mais gostosas ou as margaridas
mais bonitas. Num exemplo mais delimitado: alguém pode ter sua mão impedida de
desempenhar suas funções mais essenciais por causa de doenças, de traumatismos.
Um cuidado terapêutico tentará fazer com que aquela mão se reaproxime de novo
daquilo que ela, na condição de mão, deve ser. Trata-se de devolver a ela, o
melhor que pudermos aquilo que é próprio da mão ou, dito de outro modo,
trata-se de devolver a mão ao que ela é destinada."
O
MOMENTO DA TERAPIA
O
TEMPO DA TERAPIA
Você e ele vão
trabalhar, não contra o tempo, mas a favor do tempo; ele vai precisar de um
tempo para poder desdobrar, com você, pormenores de sua vida que, só depois de
contados, tocados, mexidos, poderão ajudar a compor a história dentro da qual
suas queixas fazem sentido. E muita coisa que vai ser dita poderá parecer, à
primeira vista, conversa jogada fora, mas só parece; você vai precisar de um
tempo para aprender, com esse paciente, a forma de se aproximar sem ser
invasivo; você vai precisar de um tempo para que amadureça uma compreensão; vai
ser preciso tolerar sofrimento.
Talvez você diga
agora: "Mas isso é tempo demais; e a terapia mesmo, pra valer, quando
começa? Quando vai ser a hora de tratar dos problemas pelos quais ele me
procurou?". Ora, a terapia já começou lá, no momento em que ele confiou em
você como possibilitador do espaço ou da condição em que o mundo dele pode ser
aberto, aproximado, olhado de perto; ali na sala ele falou do medo que sentiu
tantas vezes ou do medo que nunca se permitiu sentir; do quanto ele tem se
imposto tarefas e esforços para ter sucesso, do quanto ele precisa competir; do
amor que não recebeu, do amor que não sabe dar; de como se sente capaz de fazer
algum estrago em sua vida ou na dos outros, de como ele não quer isso; de como
é preciso estar sempre atento para que nada errado aconteça; dos seus sonhos,
tanto aqueles que morreram como aquele que teima em continuar. Falou também das
coisas boas de sua vida.
DE
QUE CUIDA A TERAPIA?
"A terapia é isto: cuidar da existência
que sofre. Porque a existência é frágil por natureza. Não só a vida que, como
animal, o homem compartilha com os outros animais é frágil, mas, sobretudo, a
existência como característica peculiarmente humana é o que há de mais
vulnerável. Existência é "ser-no-mundo", e isso é poder ser atingido,
ser tocado o tempo todo por tudo: tanto pelo que vem ao encontro do que
desejamos e torna a existência mais plena, como por aquilo que e compreendido
como destruição de algo que queremos ter preservado ou como ameaça de que isso
possa acontecer. Algumas vezes, e a vida mesma, a própria ou a de um outro, que
sentimos ameaçada, e então o sentido das coisas fica abalado, e isso dói. Mas
isso não acontece só quando a vida está em risco; acontece também naquelas
situações em que sabemos que a vida está ilesa, mas o sentido da vida se quebra
ou se torna confuso. A existência é sempre um poder ser diante de um "para
quê", de um "a fim de que", e quando este se rompe ou está
ameaçado a existência sai machucada. Em algum grau e de alguma forma, algo esta
doendo quando a pessoa procura a terapia, embora, as vezes, no começo ela nem
identifique ainda aquilo como dor. "
AS
DORES INVISÍVEIS
O
OUTRO
“Uma sessão
comporta alguma brincadeira, algum comentário leve sobre um assunto qualquer.
Com alguns pacientes, essas coisas aparecem em algum momento da sessão, e podem
até ajudar na formação de um vínculo facilitador de confiança; podem favorecer
a entrada em assuntos mais sérios; mas, mesmo que não consigamos essa entrada,
não foi tempo perdido. Provavelmente, naquele dia, o paciente precisava daquela
vivência mais descontraída com seu terapeuta. Ela não terá sido inútil, pois,
numa conversa aparentemente fútil na terapia, muito do paciente se mostra, e
isso, num outro momento, vai ajudar na compreensão que o terapeuta tem dele.”
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