Por Raquel Rocha
Esse texto é sobre um problema que poucas pessoas conhecem
É sobre o pior atendimento médico da minha vida
É sobre senhoras com pouco estudo e muita sabedoria
É sobre desapego
Assistir ao Fantástico semana passada foi como voltar no tempo... Eu tive Paralisia Facial, foi uma das piores experiências da minha vida mas que me ensinou muito.
Ocorreu há cerca de 13 anos, eu era jovem, na época eu trabalhava 20 horas por dia, nas outras 4 horas eu rolava na cama preocupada com as pendências que haviam ficado para o dia seguinte. Forcei-me até o limite do limite, do limite, físico e mental até que um dia acordei com o rosto dormente e em cerca de três horas o lado esquerdo ficou TOTALMENTE paralisado.
Eu não tinha a mínima
ideia do que era, nunca tinha visto
ninguém com aquilo, não sabia nem o nome. Liguei para todos os neurologistas da
cidade e nenhum tinha vaga para me atender, nem por plano, nem particular, nem
pagando com meu rim. Fiz algo que não
gosto, que foi pedir para um “alguém importante” ligar para um médico e pedir
que ele me encaixasse. Assim foi feito e eu fui para o Tal consultório passar
por um dos piores atendimentos da minha vida.
Apesar da consulta
ser uma fortuna, a secretária me olhava de cara feia, pensando no tempo a mais
que passaria no consultório. A consulta
havia sido marcada para 16:00 horas. Em meu desespero, com metade da cara paralisada fui pra lá as 15:00. Fiquei sentada nessa recepção por mais de 6 horas, o rosto parecia
entortar cada vez mais, o desespero aumentava, e eu via paciente após paciente
entrar e sair e minha vez nunca chegava...
As 21:30 fui
chamada pelo médico. Entrei na sala dele com a esperança de quem estava adentrando
na luz mas na verdade estava adentrando na escuridão. Ele mal olhou para mim, deu duas batidas no meu joelho e foi logo prescrevendo os exames, sem olhar para mim disse que 90% dos casos deixam sequelas.
Eu comecei a chorar, não sei se pela sentença das sequelas (desnecessárias naquele momento)
ou se pelo descaso do único médico que eu tinha achado para me atender. Não sei se alguém aqui já viu alguém com paralisia chorar mas é uma
coisa monstruosa, só um lado comprime, só um lado sai lágrimas... Meu choro inesperado não esticou a consulta
que durou menos de 5 minutos.
Saí da sala
daquele homem estarrecida e fui pro balcão marcar a data de retorno. Não havia data de retorno. Na
semana seguinte ela estaria em uma cidade, na outa semana na outra e sua rotina
de pop star não lhe permitiria me ver em menos de 40 dias.
Fui para casa
com aquelas solicitações de exame na mão sem acreditar que nada daquilo
estivesse acontecendo, nem a paralisia, nem o médico monstro no atendimento, nem eu
monstra na aparência. Eu simplesmente não sabia o que fazer.
Acho que
caminhava entorpecida, a vontade de chorar tinha cessado, minha vida, minha
rotina passava na minha cabeça como um filme.
Naquela noite deitei na cama e consegui agradecer a Deus por estar viva. E daí as sequelas? Meu rosto não dizia quem eu
era... Meu rosto era só minha aparência.
Minha paralisia
era tão forte que eu não conseguia fechar os olhos. Nessa noite tive que
comprar uma pomada passar nos olhos para evitar o ressecamento das córneas e fechar os
olhos com esparadrapo. (pomada receitada por mim mesma, a partir de pesquisas do meu marido na internet de pulso telefônico - não façam isso)
Acordei no dia
seguinte com o rosto ainda TORTO mas com o coração incrivelmente EM PAZ. Joguei
as solicitações de exame do médico fora porque não teria a quem mostrar os
exames. (não façam isso jamais)
Comecei a me
tratar com tudo que me indicavam. Tudo mesmo. Cada senhora que me encontrava na
rua me passava um chá diferente e toda vez que eu ia numa loja de folha me
aparecia uma outra senhora me receitando mais um chá. Indicaram-me uma
rezadeira. Eu não tenho vergonha de dizer não gente, EU FUI NA REZADEIRA, não
só um dia, mas durante 15 dias de manhã cedo, quando sol ainda não estava alto.
Ela me rezava, passava os galhos em mim e me dizia as palavras de conforto que
o Sujeito Neurologista com não sei la quantos anos de faculdade não aprendeu a dizer.
Fiz fisioterapia
também, receitada não por neurologista, mas por um amigo médico de outra
especialidade. Tornei-me amigas das fisioterapeutas que me davam dicas, me
davam choques no rosto e a gente ria por eu não sentir absolutamente nada. Na
maca da fisioterapia um monte de gente de aproximava com conselhos. Mandaram-me
mascar chiclete o tempo para exercitar os músculos da face e eu mascava uns 50 chicletes por dia (menos na hora da reza). Aprendi fazer massagem facial para estimular a musculatura, usava pomadas e um gel.
Nesse período
comecei a fazer uma auto-análise. Aprendi a perguntar “Por que” e a buscar respostas. “Por que eu tive essa paralisia”? “Por
que me senti como se o mundo estivesse acabando?” “Por que preciso de um rosto
para me reconhecer?” Não sabia que eu a
Raquel Psicanalista estava nascendo ali.
Não me preocupava
se as sequelas ficariam ou não... eu ficava feliz com cada melhora, agradeci infinitamente
a Deus quando consegui fechar os olhos sozinha pela primeira vez.
Da mesma forma
que encontrei pessoas generosas encontrei muita gente ignorante que me olhava
como se eu fosse uma anomalia, algumas riam, outras não conseguiam
disfarçar o olhar. Essas pessoas também me ensinaram muito, com elas eu aprendi
a nunca agir assim, por mais estranho que o outro fosse.
Aos poucos fui
melhorando. Não sei dizer o que me curou, se a fé, se as rezas, se os galhos
passados, se a fisioterapia, se os 30 chás com gosto terríveis que tomei direitinho, se a paz
que fez morada em meu coração, ou se tudo isso junto. Passei cerca de um ano convivendo com os sintomas, mas foi um excelente ano.
Todo esse
desabafo vem 13 anos depois porque ao assistir a reportagem eu percebi que essa que poderia ter sido uma piores experiências da minha vida na verdade foi uma das melhores. Ficar
com aparência monstruosa me tornou mais humana. E eu sou muito grata por ter passado por isso.
Nos decorrer desses anos em diversos momentos lembrei dos anjos desconhecidos que cuidaram de mim,
daquela rezadeira de seios fartos, sorriso largo e palavras sábias, das
senhoras que me encontravam na rua e diziam “Minha fia, tenho um receita que
vai fazer você ficar boazinha logo”, das fisioterapeutas que me recebiam com
abraços, do médico de outra especialidade que se arriscou para cuidar de mim, do
senhor raizeiro que repetia o modo de preparo das ervas pra mim com preocupação de avô... "A fia ficou boazinha." No fim de tudo, acho que fui curada pelo amor...
Você deve estar
se perguntando se eu fiquei com sequelas. Fiquei sim, mas não gosto de chamar
de sequelas, gosto de chamar de marcas, as maiores delas estão na alma e são
lindas.
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Importante:
NÃO RECOMENDO A
DECISÃO QUE TOMEI DE FAZER TRATAMENTO ALTERNATIVO PARA NINGUÉM. Por favor não
façam como eu fiz, minha decisão foi uma decisão de desespero e desapego. Recomendo que façam os exames, encontrem um bom neurologista e façam o tratamento
exatamente como ele prescrever. Minha opção deu certo para mim
por razões que não sei explicar, mas eu ainda acredito totalmente na medicina
tradicional.
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