Trecho do livro Viver para contar de Gabriel García Márquez
"...olhei para a casa de Mercedes Barcha. E lá estava ela, sentada no portal
como uma estátua, esbelta e distante, e seguindo pontual a última moda daquele
ano, com um vestido verde de rendas douradas, o cabelo cortado como asas de
andorinha e a quietude intensa de quem espera alguém que não haverá de chegar.
Não pude evitar, naquela quinta-feira de julho numa hora tão madrugadora, a
sensação de estremecimento de que iria perdê-la para sempre, e por um instante
pensei em para o taxi para me despedir, mas preferi não desafiar uma vez mais
um destino tão incerto e persistente como o meu.
No avião em pleno voo eu
continuava castigado pelas agulhadas do arrependimento. Naquela época existia o
bom costume de deixar no encosto do acento dianteiro tudo que era necessário
´para escrever de forma galante. Eram umas folhas de carta com filetes dourados
e envelopes no mesmo papel de linho rosado, creme ou azul, e ás vezes
perfumado.
Em minhas poucas viagens anteriores eu havia usado para escrever
poemas de adeus que transformava em aviõezinhos de papel e depois jogava ao
vento ao descer o avião. Escolhi um azul-celeste e escrevi minha primeira carta
formal para Mercedes sentada no umbral da sua casa ás sete da manhã, com o
traje verde de noiva sem dono e o canele de andorinha incerta, sem nem ao menos
suspeitar para quem ela tinha se vestido ao amanhecer. Eu havia escrito para
ela outros recados de brincadeira, que improvisava ao léu, e só recebia
respostas verbais e sempre elusivas quando nos encontrávamos por acaso. Aquelas
não pretendiam ser mais do que cinco linhas para dar notícia oficial da minha
viagem. No final, porém, acrescentei um PS que no instante de assinar me cegou
como um relâmpago ao meio-dia: "Se eu não receber resposta dentro de um
mês, vou ficar na Europa para sempre".
Mal me permiti o tempo para pensar
outra vez antes de pôr a carta, ás duas da manhã, no correio do aeroporto
desolado de Montego Bay. Já era sexta-feira. Na quinta semana seguinte, quando
entrei no hotel de Genebra, depois de outra jornada inútil de desacordos
internacionais, encontrei a carta com a resposta."
Ai, Gabo... tenho me identificado tanto com seu modo de ver e escrever... que chega doer. Parabéns, moço encantado. Saudades.
ResponderExcluirAi, Gabo... tenho me identificado tanto com seu modo de ver e escrever... que chega doer. Parabéns, moço encantado. Saudades.
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