domingo, 4 de março de 2018

A PSICOLOGIA HOSPITALAR E A HUMANIZAÇÃO DA SAÚDE




Por Raquel Rocha
Psicanalista e Especialista em Saúde Mental
Especialista em Neuropsicologia
Pós-graduanda em Terapia Familiar
Comunicóloga,  Economista
Membro da Academia de Letras de Itabuna

A Psicologia Hospitalar tem como objetivo minimizar o sofrimento do sujeito em processo de hospitalização. Diferentemente da medicina, o foco da psicologia hospitalar não está na patologia, mas nas consequências emocionais do adoecimento.

A internação pode acabar se tornando a fase mais difícil do adoecimento. Ao ser hospitalizado o paciente perpassa por um processo de despersonalização, perdendo sua autonomia, passando a ser um número de prontuário. Muitas vezes o olhar da equipe hospitalar não é para a pessoa do paciente, mas para sua patologia, seu câncer, seu AVE, sua inflamação, seu diabetes. O sujeito em sua integralidade e subjetividade perde sua autonomia e deixa de ter significado próprio.

A hospitalização restringe o espaço vital do paciente, implica em uma desorganização na rua rotina, longe do conforto do seu lar o paciente já não escolhe como conduzir sua rotina, não escolhe o que comer, que horas tomar banho, que horas acordar, em muitos casos não escolhe a hora das suas visitas. Aliado a retirada de seu espaço e de sua liberdade de decidir seu dia-a-dia o paciente também passa por processos dolorosos, muitas vezes invasivos. O próprio diagnóstico do paciente se traduz, por vezes, em instrumento de estigmatização e preconceito, ignorando-se todo o não dito, não escutado por trás da patologia.

Até então, os hospitais, com raras exceções, seguem uma estrutura rígida, engessada no que tange a horários, entradas e saídas de pessoas, alimentos e objetos pessoais.  Algumas regras são necessárias para o bom funcionamento da instituição mas nem por isso deixam de provocar desconforto e sofrimento no paciente, aspectos esses que precisam ser minimizados o máximo possível.

No que tange à relação médico paciente, com exceção dos que possuem uma visão voltada para a humanização, vemos que, na maior parte das vezes, essa relação já não tem tanto espaço para o diálogo e é cada vez mais substituída por exames, ignorando-se que por trás do diagnóstico há um nome, uma história, uma pessoa que deseja,  que sente, que sofre. É preciso que equipe-instituição hospitalar veja o paciente como um todo indivisível. De acordo com a Política de Humanização da Assistência à Saúde “Uma das diferenças entre o ser humano os animais irracionais é que seu corpo biológico é envolvido, desde a infância, por uma rede de imagens e palavras, apresentadas primeiro pelos pais, pelos familiares e, em seguida, pela escola, pelo trabalho, enfim, por todas as relações sociais. É esse ‘banho’ de imagem e de linguagem que vai moldando o desenvolvimento do corpo biológico, transformando-o em um ser humano, com um estilo de vida singular.”

A função do Psicólogo Hospitalar é justamente considerar toda subjetividade do sujeito, minimizando seu sofrimento psíquico, até mesmo porque este sofrimento pode implicar no agravamento da própria doença. Para Simonetti (2004, p. 29) “a psicologia hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento”. O Psicólogo olha para o paciente em toda sua singularidade, alguém que sente angústia, tristeza, ansiedade, medo, alguém que tem vontade própria, uma história de vida e todo um processo de subjetivação. 

A psicoterapia dentro de um hospital não segue os moldes de uma um setting terapêutico tradicional. O psicólogo tem que lidar com o desconforto do paciente, as dores físicas, as interrupções. Cada sessão tem início, meio e fim, pois o profissional não sabe quantos encontros ainda terá com o paciente. Além do paciente o profissional atua junto aos familiares e à equipe de serviço. Devido à multiplicidade das demantas, por mais que se estude sobre a psicologia hospitalar o aprendizado real ocorre na experiência que se desenha no cotidiano da atuação em um hospital, onde o psicólogo, muitas vezes, passa por situações inusitadas. “Tratar a pessoa, e não a doença foi um dos objetivos mais valiosos em psicologia hospitalar, e tal só se possível quando se conhece minimamente a vida da pessoa seus interesses, seus assuntos favoritos, seu trabalho, sua condição de vida, etc. e uma ótima maneira de se alcançar esse conhecimento é conversando de maneira descompromissada com o paciente.” (SIMONETTI, 2004, p. 125).

Entre as atividades do psicólogo da Saúde definidas pelo Conselho Federal de Psicologia (2003a), cabe ao psicólogo hospitalar: atendimento psicoterapêutico, organizar e atuar em psicoterapia de grupo, grupos de psicoprofilaxia e psicoeducação, atendimentos em ambulatório, atendimentos em unidade de terapia intensiva, pronto atendimento nas enfermarias, psicomotricidade no contexto hospitalar, avaliação diagnóstica, psicodiagnóstico, consultoria e interconsultoria e atuação em equipe multidisciplinar

A Psicologia hospitalar já nasce em consonância com as diretrizes da Política de Humanização da Assistência à Saúde lançada 2002:

Mas então, o que é humanizar? Humanizar é garantir à palavra a sua dignidade ética. Ou seja, para que o sentimento humano, as percepções de dor ou de prazer sejam humanizadas, é preciso que as palavras que o sujeito expressa sejam reconhecidas pelo outro. É preciso, ainda, que esse sujeito ouça do outro palavras de seu reconhecimento. É pela linguagem que fazemos as descobertas de meios pessoais de comunicação com o outro. Sem isso, nos desumanizamos reciprocamente.

A introdução do psicólogo no hospital deve contribuir para maior bem estar do paciente que se percebe acolhido e escutado, possibilitado de compreender e ressignificar seu adoecimento e todas as implicações do mesmo. O psicólogo deve contribuir, ainda, para maior integração entre toda a equipe porque diálogo, o vínculo, o respeito e a valorização entre os profissionais implica em maior qualidade de trabalho e maior eficácia no atendimento ao paciente. “Sem comunicação, não há humanização. A humanização depende de nossa capacidade de falar e de ouvir, depende do diálogo com nossos semelhantes.” (PHAS)


REFERÊNCIAS

Conselho Federal de Psicologia
Política de Humanização da Assistência à Saúde (PHAS)
RODRÍGUEZ-MARÍN, J. En Busca de un Modelo de Integración del Psicólogo en el Hospital: Pasado, Presente y Futuro del Psicólogo Hospitalario. In Remor, E.; Arranz, P. & Ulla, S. (org.). El Psicólogo en el Ámbito Hospitalario. Bilbao: Desclée de Brouwer Biblioteca de Psicologia, (2003).
SIMONETTI, A. (2004). Manual de Psicologia Hospitalar. São Paulo: Casa do Psicólogo.

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