quarta-feira, 3 de abril de 2013

Marnie, Frigidez, Cleptomania e Psicanálise


FILME "MARNIE- CONFISSÕES DE UMA LADRA"

DE ALFRED HITCHCOCK

UMA ABORDAGEM PSICANALÍTICA






Uma mulher caminhando de costas numa estação de trem, cabelos pretos, roupas sérias, uma mala e uma bolsa amarela.

Um banco que acaba de ser roubado por uma mulher que desapareceu.

Uma mulher num quarto de hotel. Ela colocar roupas novas dentro de uma mala, abre a bolsa amarela que está cheia de dinheiro e joga também dentro da mala. Em seguida ela troca a identidade e tira a tintura do cabelo, revelando ser loira. Nesse momento vemos o rosto dela pela primeira vez.

A mulher chega em um hotel fazenda, todos a reconhecem e a tratam bem. Ela deixa as malas no quarto e sai para montar o seu cavalo, feliz com os cabelos soltos ao vento.

A mulher chega à casa de sua mãe. Cabelos presos em um coque sério. Demonstra ciúmes de uma garota de 10 anos a qual sua mãe toma conta. A mulher o tempo todo tenta agradar a mãe que se mostra fria e indiferente.  Ela se senta no chão e coloca a cabeça no colo da mãe, como um animalzinho carente mas sua mãe a repele.

É dessa forma que Hitchcock vai revelando aos poucos quem é Marnie, a protagonista de “Confissões de uma Ladra”. Uma mulher misteriosa e cheia de problemas psicológicos.

Marnie (Tippi Hedren), com a nova identidade, começa a planejar mais um golpe e procura emprego nas empresas Rutland. O que ela não sabe é que o proprietário da empresa Mark (Sean Connery) era cliente do banco do golpe anterior e a reconhece. Ainda assim ele a contrata: “Sou um expectador interessado no show que vai se desenrolar.”

Mark a contrata e se apaixona por ela. Ela rouba sua empresa, ele a captura e a obriga a se casar com ele caso não queira ir para a cadeia. O predador se apaixona pela sua presa, ele a prende mas também se torna prisioneiro pagando um preço alto para tê-la ao lado pois ele descobre logo que Marnie é frígida, é incapaz de sentir prazer em estar com um homem e repele qualquer tentativa de carinho do marido.



Além de ladra, mentirosa e frígida Marnie também tem algumas fobias, ela não suporta a cor vermelha e entra em pânico quando começa uma tempestade. A noite tem pesadelos e chama pela mãe.  Além de marido, Mark tenta ser uma espécie de psicanalista da esposa, ele sabe que há algo errado com ela, por isso ler livros e tenta fazer com que ela fale do seu passado. “-Se você não quer procurar um analista, por que não se ajuda?”. - “Você Freud, eu Jane?” – desafia Marnie

Mark tenta usar a associação livre com Marnie e quando ele pede que ela fale tudo que lhe venha a cabeça e diz a palavra Água Marnie retruca “banho, sabão, limpeza, pureza. As lágrimas d’Ele lavarão seus pecados e refará você” evidenciando que ela se sente suja como usa a moral religiosa para se livrar da sujeira.

----SPOILER----

Numa das crises de Marnie, em que ela tenta roubar o cofre da empresa do marido novamente. Mark decide que ela precisa se confrontar com seu passado (que ele mandou investigar) e a leva a força para a casa de sua mãe Bernice. Está caindo uma forte tempestade e Marnie chega em crise na casa da mãe que repreende “Marnie, pare de se comportar como uma criança!”

Mark começa a discutir com Bernice, dizendo que ela precisa contar a filha o que aconteceu no passado. No meio da briga de ambos e do barulho de trovões Marnie é tomada por um comportamento regressivo e começa a se lembrar do que aconteceu falando com voz infantilizada numa espécie de transe catártico e revelando o evento traumático que mudou sua vida.

Marnie é uma criança e uma noite sua mãe (que era uma prostituta) a tira do quarto para receber um cliente. Está chovendo forte e Marnie, assustada com os trovões, chora. O homem deixa a mãe de Marnie e vai consolar a menina com carinhos maliciosos. Bernice, percebendo que o homem está molestando sua filha avança sobre ele e ambos travam uma briga. Para ajudar a mãe Marnie pega uma barra de ferro e bate com ela na cabeça do homem, matando-o e esparramando sangue pela casa.



A menina traumatizada perde a memória daquela noite. A mãe assume a culpa pelo crime é julgada e absolvida alegando legítima defesa. Quase perde a guarda da filha mas nem assim revela a verdade. A mãe vê naquela tragédia a oportunidade de começar uma vida diferente, moralmente correta. “Prometi a Deus ali mesmo que se Ele me deixasse ficar com você e se você não se lembrasse, eu a criaria diferente de mim. Respeitável.”

Marnie, além de um grande filme é uma aula de psicanálise, pois percebemos no trauma toda a explicação para os traços da personagem, o pânico que ela sentia com a cor vermelha e com as tempestades, pois tanto uma coisa quanto a outra traziam de volta o terror da noite que estava reprimido no seu inconsciente. Ela mente compulsivamente porque foi criada com a mãe mentindo pra ela, associou a mentira ao amor. Sua frigidez é resultante do nojo que ela sentiu quando criança do homem que tentou molestá-la, associando o sexo à algo sujo e violento.

A cleptomania de Marnie também tem sua explicação na psicanálise. Segundo o psicanalista alemão Karl Abraham o cleptomaníaco não recebeu durante a infância provas concretas de amor, como podemos perceber na frieza da mão de Marnie: “o furto seria ao mesmo tempo um prazer substitutivo do afeto e uma vingança fantasiosa contra as figuras significativas consideradas culpadas por tê-lo abandonado.” *

Resultante da culpa inconsciente que Marnie sentia pelo crime que cometeu “Os cleptomaníacos teriam uma fragilidade estrutural no superego (instância que representa a consciência moral) acompanhada de uma necessidade de punição, de ser descoberto.”* Ser descoberta e punida seria então sua a redenção  e o fim de sua culpa.

A cleptomania de Marnie também seria uma forma de reagir a um segredo familiar ao qual ela não tinha acesso (evento traumático) e de substituir o ato sexual, já que ambos, o roubo e o sexo, são proibidos. Já que Marnie considera o sexo sujo ela o substitui pelo prazer do roubo.

Para Winnicott “a criança que rouba algo não deseja o objeto roubado e sim a mãe sobre a qual acredita ter direito.”

É filme genial, desses que a gente não consegue parar de assistir e depois quer assistir de novo e de novo. Assim como Mark nós (psicanalistas ou não) queremos descobrir o que fez de Marnie essa mulher tão enigmática e psicologicamente perturbada.

A produção do filme carrega consigo muitas histórias. Quem ia interpretar Manie era Grace Kelly mas ela acabou desistindo do papel. O roteirista foi demitido por se recusar a escrever uma cena de estupro e Hitchcock teve uma série de desentendimento com Tippi Hedren por quem ele mantinha uma paixão obsessiva desde Os Pássaros. Talvez por todos esses problema é que Marnie Confissões de uma Ladra seja tão fascinante.


Autora: Raquel Rocha- Graduada em  Comunicação Social. Formação em Psicanálise e Especialista em Saúde Mental.

REFERÊNCIAS

*Revista Mente e Cérebro, Edição Especial n 36
Filme "Marnie- Confissões de uma ladra."

Ficha Técnica 
Diretor: Alfred Hitchcock
Elenco: Tippi Hedren, Sean Connery, Diane Baker, Martin Gabel, Louise Latham, Bob Sweeney, Milton Selzer, Alan Napier, Henry Beckman, Edith Evanson, Mariette Hartley, Bruce Dern, S. John Launer, Meg Wyllie
Roteiro: Jay Presson Allen
Fotografia: Robert Burks
Trilha Sonora: Bernard Herrmann
Duração: 130 min.
Ano: 1964
País: EUA
Gênero: Suspense





3 comentários:

  1. Olá...me chamo gabriela e achei o seu site pois estava procurando alguns livros para baxar...
    achei aqui mais o link saiu do ar...
    tem como você mandar para o meu e-mail os livros desse link?
    http://soliloquiospsicanaliticos.blogspot.com.br/2011/11/baixar-winnicott-o-brincar-e-realidade.html

    Principalmente o O EU E O INCONSCIENTE DE Carl Gustav Jung -Obras completas

    desde já agradeço

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  2. Oi Gabriela. Você esqueceu de deixar seu e-mail. Beijos!

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  3. Marnie é um filme que vale ser redescoberto, e sair da lista de "Hitchcock's menores".

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