"Itabuna
100 Anos", de Raquel Rocha, foi um projeto bem-sucedido em minha
gestão como diretor-presidente da Fundação Itabunense de Cultura e
Cidadania. Repercutiu de maneira favorável em nossa comunidade ao ser exibido
no Centro de Cultura Adonias Filho lotado, como parte das comemorações do
Centenário da Cidade. A direção da cineasta Raquel Rocha e o conteúdo com
depoimento de pessoas, que nasceram aqui e vivenciaram a nossa história,
fazem desse documentário uma fatura exemplar sobre a recuperação de um
tempo perdido. A linguagem dos entrevistados que ecoa nesse tempo posto na
imagem revela momentos significativos da memória grapiúna."
Cyro de Mattos
Hoje de manhã tive
uma grata surpresa ao ler essas palavras de Cyro de Mattos sobre o “Itabuna 100
anos” um filme de 2010. As palavras dele me
fizeram relembrar o tempo em que eu terminei a faculdade e me vi preocupada
diante da possibilidade de nunca mais voltar a filmar, uma vez afastada da UESC
e de tudo o que ela nos possibilitava.
Eu sabia exatamente o que queria fazer da vida
mas também sabia o que não queria. Não queria ter que ligar pro vereador x nem
pro secretário y, não queria pedir a interseção de nenhum padrinho influente.
Sondei a iniciativa privada e percebi que, se me apoiassem, seria também pelo
conhecimento e não por interesse real nos filmes. Foi aí que coloquei dentro de
um envelope pardo meu documentário de conclusão de curso (Nos Trilhos do Tempo)
e meu currículo, fui até a Fundação de Cultura da minha cidade e deixei lá na
recepção, na esperança de que alguém por lá visse e algum dia lembrasse do meu
nome.
E não é que alguém
viu? O grande escritor Cyro de Mattos o qual já admirava por suas poesias, já
tinha visto de longe, mas com quem nunca tinha falado. Na época presidente da
fundação, ele pegou o tal envelope, levou para casa, assistiu e me ligou
para dizer que se emocionou ao relembrar a história da antiga ferrovia através
do meu filme (meu orientador havia pressagiado que esse filme me renderia bons
frutos). Meses depois eu estava na sala dele, numa sequência interminável de reuniões
para a realização do Itabuna 100 anos. Exigente e meticuloso ele quis
acompanhar cada detalhe da realização do filme.
E lá fui eu filmar
sem o amparo da mãe UESC, me preocupando com detalhes como cabos, fios e fitas que
antes era providenciado habilmente pelos técnicos. Mas escolhi a pessoa certa
pra ser meu braço direito e esquerdo, grande Shintomi. E aos trancos e
barrancos fomos vencendo os desafios, matando leões e o filme foi ganhando
forma. Em todos os lugares que eu chegava a pergunta: “Você é filha de quem?” Eu
sabia exatamente o que queriam saber com essa pergunta: “De que família você é?
Quem é seu parente importante? Quem lhe indicou? O que você fez para conseguir apoio
de um órgão público?” Não perguntavam por mal, apenas estavam acostumadas a
viver numa sociedade na qual ainda permeia herança de um coronelismo podre,
onde homens de poder e seus apadrinhados mandavam em tudo e em todos. Eu
respondia “Meu pai não daqui” e
continuava meu trabalho. Eu imagino que
Cyro de Mattos também deve ter ouvido a mesma pergunta: “Quem é ela? Ela é parente de quem? Por que ela e não tal pessoa?”
E foi assim que tudo
começou e assim continuo trabalhando até hoje, nunca faltou trabalho graças a
Deus, cada novo é sempre por mérito do
trabalho anterior, nunca por indicação de ninguém. Ainda não estou envolvida
com grandes produções, meus filmes são de baixíssimo orçamento, simples mas
honestos. E me dão o maior orgulho.
De todos tenho um
carinho especial pelo Itabuna 100 anos, por ter acontecido numa fase de
transição, por ter registrado memórias de pessoas que já partiram dessa vida e principalmente
por nascido da confiança em um simples envelope de cor parda.
Obrigada Cyro de
Mattos,
Grande poeta, grande
pessoa.
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