DEPENDÊNCIA
QUÍMICA
ANÁLISE
DE CHRISTIANE F.
UESC- Universidade
Estadual de Santa Cruz
Autora:
Raquel
Rocha
Economista, Comunicóloga, Psicanalista
e Especialista em Saúde Mental
Membro da Academia de Letras de Itabuna
Este trabalho aborda a
questão da dependência química por se tratar de um grave problema para tanto
para o sujeito quanto para toda a sociedade. Segundo I e II Levantamento
domiciliar sobre o uso de drogas, em 2005 22,8% da população declarou ter
experimentado drogas ilícitas. Este trabalho será realizado com base do campo
da psicanálise e da saúde mental fazendo analogia ao filme “Christiane F. 13
anos, Drogada e Prostituída” e também ao livro homônimo. O trabalho inicia na
temática das substâncias psicoativas, seu consumo e seus riscos, pela teoria
psicanalítica e em seguida ilustra os dois primeiros pontos com a história de
Christiane F.
2
SOBRE SUBSTÃNCIAS PSICOATIVAS, TEORIA PSICANALÍTICA E CHRISTIANE F.
2.1
Substâncias Psicoativas.
Substâncias Psicoativas são
substâncias químicas que agem no sistema nervoso central, alterando a função
cerebral e modificando o seu funcionamento e acarretando alterações físicas,
psíquicas e comportamentais. As substâncias psicoativas podem levar a mudança
na percepção da realidade, alterações de humor e de consciência.
As substâncias psicotrópicas podem ser administradas
via oral, transdérmica (aplicação nas mucosas ou na pele); inalada (ou
pulmonar), injetável (subcutânea, intramuscular e endovenosa). As origens podem
ser naturais, semi-sintéticas e sintéticas e elas ainda se classificam em
depressoras como o álcool e os opióides (ópio, morfina, heroína, entre outras),
as estimulantes como cocaína, crack, anfetaminas, anorexígenos (moderadores do
apetite), ecstasy, nicotina e cafeína.
Também as perturbadoras como maconha, haxixe e LSD.
Devido à complexidade do fenômeno do uso de drogas
existem diversos modelos explicativos dos transtornos. De acordo com Perrenoud
e Ribeiro (2011, p. 43): “Os modelos etiológicos sobre dependência de
substâncias psicoativas tentam [...] explicar os motivos dos primeiros
episódios de consumo, da permanência do uso ocasional, da manutenção do uso, do
surgimento de padrões de uso nocivo e, por fim, as razões para o surgimento da
dependência”.
O modelo moral foi a primeira tentativa da sociedade
contemporânea para compreender e controlar o uso de substâncias psicoativas.
Enfatiza a escolha pessoal como o fator do usuário e o abuso resultaria da necessidade
de violação das normas sociais. No modelo da temperança (século XVIII) classifica
o de substância como uma doença assim como no modelo da degenerescência
neurológica (século XIX). No modelo do aconselhamento confrontativo ou modelo
Synanon (1960) o usuário de drogas é percebido como indivíduo com um transtorno
de personalidade. Os modelos naturais pressupõem uma tendência inativa e
universal do consumo de SPA. Os modelos biológicos sugerem uma predisposição
biológica para a instalação do uso indevido de substâncias psicoativas. Nos modelos
sociais a ênfase é nos ambientes culturais e relações sociais. Os modelos
espirituais têm a espiritualidade como influência positiva à recuperação dos
dependentes. Os modelos de saúde pública correlacionam a interação entrem sujeito,
ambiente e substância psicoativa. O modelo ecletismo informado assim como o
modelo de saúde pública, busca articular fatores biológicos, psicológicos,
sociais e farmacológicos e ainda a necessidade de uma abordagem específica para
casa sujeito. Esse modelo reconhece o valor de todas as outros modelos. Os modelos
psicológicos tem o foco no indivíduo e nos motivos que levaram ao consumo de
drogas através da Teoria Psicanalítica (uso de SPA como sintoma; da teoria
Comportamental (o uso de SPA consiste em um comportamento aprendido ou
condicionado) e da teoria Sistêmica ( o uso de SPA e sua relação com um sistema
social mais amplo. (PERRENOUD, L.O.;
RIBEIRO, 2011)
2.2 Teoria
Psicanalítica
Em relação a dependência química
Freud (1929-1930) enfatiza a função das drogas no alívio da angustia pelas
renúncias impostas pela civilização. É um atenuante de um sofrimento e ao mesmo
a busca de prazer uma vez que seres humanos estão sempre em busca da
felicidade. Freud coloca que os métodos mais interessantes para a prevenção do
sofrimento são os que tendem a modificar o nosso organismo pois a presença de substâncias
estranhas ao corpo, no sangue e nos tecidos, modifica as funções físicas,
psíquicas e comportamentais provocando sensações de prazer imediatas. Freud relaciona ainda a assinala o uso de
drogas ao processo e castração ou ainda uma substituição das pulsões sexuais..
(Freud, 1897, 1898, 1905a, 1905b, 1905c, 1917). Le Poulichet (1987) aborda a teoria freudiana
do alívio da angústia e a substituição das pulsões proposta por Freud
questionando os motivos de alguns indivíduos viciarem-se e outros não.
Já Lacan recorre a Marx e seu
conceito de mais -valia[1]
justificando que é pela renúncia ao gozo que ele surge. O objeto a, se dá em
torno do mais gozar. Lacan também retoma a Freud e a sua teoria de castração,
para ele é a castração que organiza o discurso do mestre, tanto na realidade
psíquica quanto na realidade social e a mais-valia se dá em torno desse
discurso e posteriormente também se torna o discurso capitalista. No processo
de dependência química o objeto de gozo não é metaforizado, não é governado
pelo significante destarte o toxicômano fica escravo da droga, em busca desse
mais gozar infinito.
2.3 Christiane
F. 13 anos drogada e prostituída
O filme e o livro Christiane F.
13 anos drogada e prostituída relata a vida da adolescente em detalhes e
transmite a realidade do mundo das drogas. O filme se passa na cidade de Berlim
onde Christiane mora com sua mãe e irmã menor num apartamento da cidade, a
época é o pós-guerra, escrito em 1978. O livro retoma a infância da
menina que cresceu num bairro pobre em meio a um ambiente violento. Em um dos
trechos livro sobre sua infância Christiane
revela a relação que tinha com seu pai.
Graças aos meus bichos, eu seria
bastante feliz se as coisas não andassem de mal a pior com meu pai. Minha mãe
trabalhava. Ele ficava em casa. O projeto da agência de matrimônios foi por
água abaixo. Meu pai esperava que alguém lhe propusesse um trabalho à sua
altura. E suas explosões de raiva eram cada vez mais frequentes. À noite,
quando voltava do seu trabalho, minha mãe me ajudava a fazer os deveres da
escola. Durante certo tempo, tive dificuldades em distinguir a letra H da letra
K. Minha mãe me explicava com uma santa paciência, mas eu mal conseguia
ouvi-la, pois sentia que a raiva de meu pai aumentava. Já sabia o que iria acontecer:
ele iria até a cozinha, pegaria uma vassoura e me bateria.
Ainda sobre a violência do pai, em outro
trecho Christiane narra:
Todas as noites perguntava, com
muito jeito, ao meu pai se ele iria sair. Ele saía sempre, e nós, as três
mulheres, respirávamos aliviadas. Essas
noites eram maravilhosamente tranquilas. É verdade que, quando ele voltava,
aconteciam coisas que estragavam tudo. Na maioria das vezes, ele voltava
bêbado. Qualquer pretexto, brinquedos ou roupa fora do lugar, motivava uma explosão.
Uma das expressões favoritas de meu pai era que o importante na vida é ter
ordem. E se, voltando bem no meio da noite, ele pusesse na cabeça que as minhas
coisas estavam em desordem, tirava-me da cama e me dava uma surra. E depois era
a vez de minha irmãzinha. Em seguida, jogava tudo no chão e nos dava cinco
minutos para arrumar tudo de forma impecável. Em geral não conseguíamos fazê-lo
a tempo, e chovia nova pancadaria.
Cansada da violência do
marido com as filhas e com ela própria a mãe de Christiane se divorcia e, para
compensar a violência do ex marido, ela passa a dar liberdade demais a filha.
Ela se justifica sua atitude como uma tentativa de quebrar com um ciclo
familiar de repressão: “Eu não queria pressionar Christiane. Eu mesma tinha sofrido
muito com isso. Tive um pai extremamente severo.”
Ao 13 anos Crhistine a é
fascinada para conhecer a "Sound", uma nova discoteca que faz muito
sucesso na cidade .Apesar de menor de idade ela pede a sua amiga para leva-la. Na
Sound Christiane conhece e se apaixona por Detlev e através dele e de seus
amigos se aproxima cada vez mais do mundo das drogas[2].
O primeiro contato de Crhistine é com as drogas leves como o álcool, o tabaco e
a maconha. Um dia, no show de David Bowie Christiane, ao emprestar dinheiro
para seus amigos comprarem heroína[3],
a nova droga que entrava em cena, ela também experimenta a droga, através do
processo de inalação. Buscando um maior efeito da droga, pouco tempo depois
Christiane começa a injeta a heroína pela primeira vez numa viagem sem volta. A
história de Christiane mostra claramente a sua passagem pelas as etapas Uso –
Abuso- Dependência. Do “uso” esporádico de drogas mais leves ela passa ao
“abuso” da heroína se injetando cada vez mais frequentemente até chegar ao
estágio da “dependência” marcado por diversas crises. Em um dos trechos do livro a mãe de Christiane
F. reconhece
que foi negligente com a filha:
Como pude não perceber o que estava
acontecendo com Christiane? Por diversas vezes fiz esta pergunta a mim mesma. A
resposta é simples, mas tive que conversar com vários pais para suportála: eu
não queria reconhecer que minha filha tinha se tornado uma viciada. É simples.
Enquanto pude, fechei os olhos para não enxergar.
Christiane, cada vez mais dependente da heroína e precisando de uma
quantidade cada vez maior começa a se prostituir pra sustentar seu vício[4].
No início escolhia os clientes com quem faria programa e que se limitava a
masturbá-los ou praticar sexo oral, com a crescente necessidade de injetar
heroína cada vez mais Christiane passou a aceitar qualquer cliente e a praticar
sexo dentro dos carros. Ficar sem a heroína era profundamente angustiante, ela
relata uma de suas crises:
Quando
minha mãe saiu para trabalhar, fui olhar-me no espelho. Pela primeira vez vi
meus olhos em crise, numa pior mesmo! Eram só pupilas. Negros e tristes. Sem
nenhuma expressão. Tive calor e fui molhar o rosto. Senti frio e mergulhei num
banho quentíssimo, de onde não ousava
sair, pois fazia muito frio fora. Acrescentava água quente sem parar. Precisava
fazer passar o tempo até o meio-dia. De manhã não havia ninguém na Estação Zoo:
era impossível encontrar um cliente ou alguém que nos desse heroína. De manhã,
ninguém tinha, e além do mais, estava cada vez mais difícil que alguém a
passasse.
Devido a feridas
provocadas por tantas picadas Christiane e seu namorado chegaram ao ponto de se
injetar na veia do pescoço, as seringas eram compartilhadas no grupo sem nenhum
cuidado[5]. Christiane passou a ter
dificuldades para se alimentar, emagreceu, viu seus amigos morrerem e passou
por diversas crises de abstinência.
Na falta da heroína
Christiane e seus amigos usavam qualquer substãncia entorpecente, perdendo,
muitas vezes a noção da realidade, num quadro típico de psicose induzida por
drogas.
Á tarde, todos os diabos se libertaram. Tomamos
pílulas aos montes, acompanhados de copos cheios de vinho. Apoiei minhas pernas
no armário. Mas elas grudaram no armário e não havia maneira de soltá-las.
Rolei no chão, mas meus pés ficaram. Tinha frio, tremia e aquela sujeira de
suor fedia horrivelmente. Devia ser o veneno que saía por todos os poros. Tinha
a verdadeira impressão de estar em pleno exorcismo.
Encontramos o quadro de
alucinação ainda em outro trecho:
Lá pelas seis horas decidi voltar para
casa. Já na cama quase tive um freak out (Em inglês no original:
"alucinação". (N. do E.)), pela primeira vez na minha vida. Na parede
eu tinha um pôster representando uma negra fumando um baseado. No canto
inferior direito havia uma pequena mancha azul, que ia se transformando numa
máscara deformada, num verdadeiro Frankenstein.
Ela se prostituiu por quase dois
anos quando foi presa e acusada de tráfico e consumo de drogas. Durante seu
julgamento num tribunal de infância e juventude, os jornalistas Kai
Hermann e Horst Hieck ficaram fascinados com seu depoimento sobre o vício e
fizeram uma entrevista com ela que acabou se tornando o famoso livro Wir
Kinder vom Bahnhof Zoo. O livro acabou se tornando um best seller em vários
países, inclusive no Brasil com o titulo Eu, Christiane F., 13
anos drogada e prostituída. Com o sucesso do livro, Christiane ficou
mundialmente famosa e garantiu que estava “limpa” das drogas. Em 1983, no
entanto, numa entrevista concedida a revista alemã Stern ela confessou que
nunca havia realmente largado as drogas.
Atualmente Cristiane
tem hepatite C e problemas circulatórios. Os médicos,
além de afirmarem que, devido a eles, ela pode ter uma crise
súbita, dizem também que seu estado é irreversível. Muitos amigos viciados
morreram. Seu ex-namorado Detlef é casa,
tem dois filhos e trabalha como
motorista de ônibus em Berli. Ele afirma que se livrou
das drogas em 1980. Em 2008, aos 46 anos de idade Christiane
F. voltou a tomar drogas pesadas.
Seu filho vive atualmente numa instituição para menores nas redondezas de
Berlim.
REFERÊNCIAS
Alves, Vânia Sampaio.
Modelo de atenção à saúde de usuários de álcool e outras
drogas no. Contexto do Centro de Atenção Psicossocial – CAPSad
Grande
Enciclopédia Larousse Cultural, nº 10, Editora Nova Cultural)
determinada. O Ego, assim, é derrotado pelo Id e, portanto, arrancado da
realidade.
FREUD,
Sigmund. O mal estar da cultura (1929 [1930] ). In: Œuvres Complètes, Paris: PUF, 1994.
LE POULICHET, Sylvie. Toxicomanies
et psychanalyse
– Les narcoses du désir. Paris: PUF, 1987.
I e II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas
no Brasil
PERRENOUD, L.O.;
RIBEIRO, M. Etiologia dos transtornos
relacionados ao uso de substâncias psicoativas. In: DIEHL, A.; CORDEIRO,
D.C.; LARANJEIRA, R. (Orgs.). Dependência química: prevenção, tratamento e
políticas públicas. Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 43-48
[1] Mais-valia é a
diferença entre o valor criado pela utilização da força de trabalho e o valor
dessa força de trabalho. O valor gerado pela força de trabalho desdobra-se em
duas componentes: uma parte corresponde ao valor da própria força de trabalho,
parcela reposta pelo salário pago; outra parte constitui o valor excedente ou
mais-valia, que vai ser apropriado sobre a forma de lucro. A mais-valia
corresponde portanto ao valor do sobretrabalho, ou seja, do trabalho não pago
realizado pelo trabalhador para o capitalista e que constitui a base da
repartição de rendimentos e da acumulação de capital (Fonte BIBLIOTECA
VIRTUAL de Derecho, Economía y Ciencias Sociales ANTECEDENTES DO CAPITALISMO- Carlos Gomes.)
[2]
Modelos
Sociais – Ênfase nos ambientes culturais e relações sociais. Pressupõe que
interações sociais são agentes capazes de moldar hábitos (reforçadores
sociais), incluindo o de consumo de SPAs.
[3]
A Heroína faz parte do grupo dos
opionóide, uma droga depressoras que promovem uma redução das atividades
cerebrais e das funções orgânicas de modo geral. Segundo o médico Drazio
Varela: A heroína vicia mais que a
cocaína, maconha e as anfetaminas; só perde para a nicotina. As primeiras doses
deixam um bem estar desconhecido, profundo e duradouro, sensação cada vez mais
fugaz à medida que se instala a tolerância causada pelo uso repetitivo.
[4]
Tolerância –
expressa pela necessidade de doses cada vez maiores de uma substância para
atingir o efeito desejado;
[5]
Segundo o
Manual de riscos e danos relacionados ao consumo de substâncias psicoativas o
consumo de drogas pode levar a: ráticas sexuais desprotegidas, compartilhamento
de seringas e agulhas e exposição a infecções de transmissão sexual e
parenteral, a exemplo do HIV, hepatites B e C, HTLV e sífilis;
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