Em 1934, aos 35 anos a escritora
australiana Helen Lyndon Goff (1899-1996) publica seu primeiro livro sob o
pseudônimo P. L Travers. A obra infanto-juvenil com o título de Mary Poppins
tem como personagem principal uma misteriosa babá inglesa, que aparece voando
durante uma tempestade de vento para cuidar das crianças da família Banks, cujo
patriarca é um banqueiro. O livro vira um grande sucesso entre as crianças.
Poucos anos depois Walt Disney
(1901-1966) conhece a história através de suas filhas, e fica encantado com a
babá mágica. Presumindo o grande sucesso da história no cinema faz contato com
o agente da escritora para comprar os direitos de adaptação da obra. Ela
recusa a proposta veementemente. A recusa se repetiu no ano seguinte, e em todos os anos, durante os 20 anos posteriores. O criador dos estúdios Disney não
desistiu, até que em 1961, Pamela Lyndon Travers (como era conhecida) passando
por dificuldades financeiras e correndo o risco de perder a casa onde morava,
resolveu considerar a venda dos direitos.
Apesar da necessidade, Pamela
estava cheia de reservas e impôs uma série de exigências para a adaptação,
deixando claro que só assinaria o contrato após aprovar o roteiro. O filme "Walt Disney nos Bastidores de Mary Poppins" retrata as duas semanas em que Pamela Travers (interpretada pro Emma Thompson)
viaja de Londres para Los Angeles para participar da criação do roteiro e das
músicas do filme.
Pamela é uma mulher séria, formal,
sisuda, de opiniões firmes. Ela odeia tudo no roteiro, não quer o filme seja um
musical, não quer que sua personagem cante e dance, não quer animações no
filme, teme que Walt Disney (Tom Hanks) transforme a sua babá em “algo fofinho
e saltitante”.
Pamela Traveres:
“I know what he's going to do to her. She'll be cavorting,
and twinkling, careening towards a happy ending like a kamikaze.”
“Eu sei o que ele vai fazer com ela. Ela vai ficar
saltitando e cintilante, correndo em direção a um final feliz como um
camicase.”
Nas reuniões de criação, gravadas conforme sua exigência, com o
roteirista Don DaGradi (Bradley Whitford) e os músicos Richard e Robert Sherman (Jason Schwartzman and B.J. Novak), Pamela implica com absolutamente tudo: vírgulas, palavras, números das cenas, nome
dos personagens, canções, atores, storyboard.
Começa a fazer exigências descabidas como: “não quero a cor vermelha no
filme” na esperança de que desistam da adaptação do seu livro, mas Walt Disney parece disposto a levar Mary Poppins para as telas de qualquer
jeito.
As atitudes de Pamela, mostram sua
personalidade amarga. Ela exige que todos a tratem como senhora, parece
repudiar qualquer tipo de proximidade com as pessoas e reclama do excesso de
“fantasia” “Imaginação”. Pamela demonstra sofrer terrivelmente com cada aspecto lúdico que tentam dar a sua personagem. “O script é horrendo, é pobre é vazio como
eu esperava...”
Paralelamente as turbulentas discursões entre Pâmela, o roteirista, os músicos e Walt, o filme usa de flashbacks para mostrar imagens antigas de uma menina aos 7 anos, Ginty, encantada com seu pai, que estimula sua imaginação e a faz acreditar que o mundo é mágico.
Paralelamente as turbulentas discursões entre Pâmela, o roteirista, os músicos e Walt, o filme usa de flashbacks para mostrar imagens antigas de uma menina aos 7 anos, Ginty, encantada com seu pai, que estimula sua imaginação e a faz acreditar que o mundo é mágico.
“Don't you ever stop dreaming. You can be anyone you want to
be.”
“Nunca pare de sonhar. Você pode ser quem você quiser.”
O filme é dirigido por John Lee
Hancock, diretor de The Blind Side e roteirista de A Perfect World. Com
excelentes atuações de Tom Hanks e Emma Thompson o filme alterna entre o drama
da menina que começa a se decepcionar com o pai e a comédia dos diálogos,
baseadas em gravações reais entre a rígida Pamela e os criadores do filmes.
Este é o primeiro longa a retratar o grande empresário Walt Disney (que merece
um filme contando sua própria história que é fascinante) e embora distorça o
verdadeiro final da turbulenta relação entre Walt e Pamela, vale a pena
assistir para conhecer um pouco dos bastidores de musical que foi finalizado 1964, ganhou 5
Oscars e entrou para a lista dos 24 maiores musicais de todos os tempos.
PAMELA, HELEN E A PSICANÁLISE
(Aviso: Spoiler)
Apesar da menina retratada no flashback
ser chamada de Ginty, fica claro para o expectador que a menina sonhadora se
trata da rígida escritora. Pamela Lyndon Travers aliais nasceu
como Helen Lyndon Goff. Na publicação de Mary Poppins ela assina como P.L.
Travers, em parte porque era comum as mulheres usarem apenas as iniciais de
seus nomes nas publicações já que existia um certo preconceito com escritoras
do sexo feminino. Mas ela foi mais longe, mudou de Helen para Pamela e acrescentou o sobrenome Travers por causa do seu pai, o
banqueiro Travers Goff.
O pai da menina que a princípio é seu
herói, carinhoso e companheiro vai se mostrando irresponsável com a família, se
entregando ao vício do álcool, relapso com seu emprego de gerente de banco e
até agressivo com a esposa. A menina vai encarando, a cada flashback,
a dura realidade diante de seus olhos. Sua mãe tenta suicídio, seu pai cai de
cama tuberculoso, sua casa está um caos e a menina vê seu mundo desmoronar até
que aparece uma tia durona para colocar ordem na casa e na vida
daquela família que está se desestruturando.
A tia na qual a menina depositou toda
sua esperança de salvação foi sua inspiração para Mary Poppins. Sua tia chega
para organizar a vida da sua família assim como a sua personagem Mary Poppins
chega para organizar a vida da família Banks.
A amargura da mulher adulta decorre da
decepção na infância. Seu pai vivia no mundo da fantasia e isso o levou a ruína. Logo Pamela cresce negando tudo que é fantasioso e lúdico.
Na situação desesperadora de sua
família quem trouxe luz foi rígida tia. A tia que chegou arrumando a
bagunça, distribuindo as tarefas, as obrigações, mostrando a realidade como ela
é. Por isso doía tanto a Pamela ver a distorção de sua personagem Mary Poppins,
porque a Mary Poppins do filme contrariava tudo que sua tia representava. Isso
fica claro em uma das discussões quando ela enfatiza: “Mary Poppins é inimiga da fantasia e do sentimento. Ela é sincera. Ela
não cobre com açúcar as trevas do mundo que essas crianças vão inevitavelmente
conhecer. Elas as prepara para isso. Ela lida com honestidade. Cada um tem que
limpar o seu quarto, ele não vai se limpar sozinho por mágica. Então todo esse
script é sem sentido! Onde está o coração? Onde está a realidade? Onde está a
seriedade?”
Deixar mudar sua personagem é como
trair sua tia e trair tudo o que a própria se tornou após a dor de ver seu mundo
desabar: Isso a faz sofrer e lidar com sentimentos que ela negou ao longo da
vida. Mais do que negar seus sentimentos, ela nega a si própria no momento em que decide mudar seu nome de Helen para Pamela. Em um telefonema no meio da noite
para seu agente ela desabafa: “Eu tenho
sonhos estranhos, como se meu subconsciente tivesse sempre atrás de mim, sempre
me punindo, por considerar a ideia de que eu possa estar me rendendo. Estou em guerra comigo mesma.”
Muito mais do que organizar a rotina da
casa, a menina deposita na tia a esperança de que esta salvasse seu pai,
tuberculoso e alcoólatra. Assim também é sua Mary Poppins, personagem através da qual a escritora sublima suas angustias. Mary Poppinse aparece não para
salvar as crianças, mas sim o pai das crianças, o frio banqueiro Mr. Banks. A babá o salva ensinando-o a ser pai.
“Porque
contadores de história fazem isso.
Restauramos a ordem com a imaginação,
Trazemos esperança outra vez, outra vez e outra vez.”
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