FILME "MARNIE- CONFISSÕES DE UMA LADRA"
DE ALFRED HITCHCOCK
UMA ABORDAGEM PSICANALÍTICA
Uma
mulher caminhando de costas numa estação de trem, cabelos pretos, roupas
sérias, uma mala e uma bolsa amarela.
Um
banco que acaba de ser roubado por uma mulher que desapareceu.
Uma
mulher num quarto de hotel. Ela colocar roupas novas dentro de uma mala, abre a
bolsa amarela que está cheia de dinheiro e joga também dentro da mala. Em
seguida ela troca a identidade e tira a tintura do cabelo, revelando ser loira.
Nesse momento vemos o rosto dela pela primeira vez.
A
mulher chega em um hotel fazenda, todos a reconhecem e a tratam bem. Ela deixa
as malas no quarto e sai para montar o seu cavalo, feliz com os cabelos soltos
ao vento.
A
mulher chega à casa de sua mãe. Cabelos presos em um coque sério. Demonstra
ciúmes de uma garota de 10 anos a qual sua mãe toma conta. A mulher o tempo
todo tenta agradar a mãe que se mostra fria e indiferente. Ela se senta
no chão e coloca a cabeça no colo da mãe, como um animalzinho carente mas sua mãe
a repele.
É
dessa forma que Hitchcock vai revelando aos poucos quem é Marnie, a
protagonista de “Confissões de uma Ladra”. Uma mulher misteriosa e cheia de
problemas psicológicos.
Marnie
(Tippi Hedren), com a nova identidade, começa a planejar mais um golpe e
procura emprego nas empresas Rutland. O que ela não sabe é que o proprietário
da empresa Mark (Sean Connery) era cliente do banco do golpe anterior e a
reconhece. Ainda assim ele a contrata: “Sou um expectador interessado no
show que vai se desenrolar.”
Mark
a contrata e se apaixona por ela. Ela rouba sua empresa, ele a captura e a
obriga a se casar com ele caso não queira ir para a cadeia. O predador se
apaixona pela sua presa, ele a prende mas também se torna prisioneiro pagando
um preço alto para tê-la ao lado pois ele descobre logo que Marnie é frígida, é
incapaz de sentir prazer em estar com um homem e repele qualquer tentativa de
carinho do marido.
Além de
ladra, mentirosa e frígida Marnie também tem algumas fobias, ela não suporta a
cor vermelha e entra em pânico quando começa uma tempestade. A noite tem
pesadelos e chama pela mãe. Além de
marido, Mark tenta ser uma espécie de psicanalista da esposa, ele sabe que há
algo errado com ela, por isso ler livros e tenta fazer com que ela fale do seu
passado. “-Se você não quer procurar um
analista, por que não se ajuda?”. - “Você Freud, eu Jane?” – desafia Marnie
Mark
tenta usar a associação livre com Marnie e quando ele pede que ela fale tudo
que lhe venha a cabeça e diz a palavra Água Marnie retruca “banho, sabão, limpeza, pureza. As lágrimas
d’Ele lavarão seus pecados e refará você” evidenciando que ela se sente
suja como usa a moral religiosa para se livrar da sujeira.
----SPOILER----
Numa
das crises de Marnie, em que ela tenta roubar o cofre da empresa do marido
novamente. Mark decide que ela precisa se confrontar com seu passado (que ele mandou
investigar) e a leva a força para a casa de sua mãe Bernice. Está caindo uma
forte tempestade e Marnie chega em crise na casa da mãe que repreende “Marnie, pare de se comportar como uma
criança!”
Mark
começa a discutir com Bernice, dizendo que ela precisa contar a filha o que
aconteceu no passado. No meio da briga de ambos e do barulho de trovões Marnie
é tomada por um comportamento regressivo e começa a se lembrar do que aconteceu
falando com voz infantilizada numa espécie de transe catártico e revelando o
evento traumático que mudou sua vida.
Marnie é uma criança e uma noite sua mãe (que era uma prostituta)
a tira do quarto para receber um cliente. Está chovendo forte e Marnie,
assustada com os trovões, chora. O homem deixa a mãe de Marnie e vai consolar a
menina com carinhos maliciosos. Bernice, percebendo que o homem está molestando
sua filha avança sobre ele e ambos travam uma briga. Para ajudar a mãe Marnie
pega uma barra de ferro e bate com ela na cabeça do homem, matando-o e
esparramando sangue pela casa.
A
menina traumatizada perde a memória daquela noite. A mãe assume a culpa pelo
crime é julgada e absolvida alegando legítima defesa. Quase perde a guarda da
filha mas nem assim revela a verdade. A mãe vê naquela tragédia a oportunidade
de começar uma vida diferente, moralmente correta. “Prometi a Deus ali mesmo que se Ele me deixasse ficar com você e se
você não se lembrasse, eu a criaria diferente de mim. Respeitável.”
Marnie,
além de um grande filme é uma aula de psicanálise, pois percebemos no trauma
toda a explicação para os traços da personagem, o pânico que ela sentia com a
cor vermelha e com as tempestades, pois tanto uma coisa quanto a outra traziam
de volta o terror da noite que estava reprimido no seu inconsciente. Ela mente
compulsivamente porque foi criada com a mãe mentindo pra ela, associou a
mentira ao amor. Sua frigidez é resultante do nojo que ela sentiu quando
criança do homem que tentou molestá-la, associando o sexo à algo sujo e
violento.
A
cleptomania de Marnie também tem sua explicação na psicanálise. Segundo o
psicanalista alemão Karl Abraham o cleptomaníaco não recebeu durante a infância
provas concretas de amor, como podemos perceber na frieza da mão de Marnie: “o furto seria ao mesmo tempo um prazer substitutivo
do afeto e uma vingança fantasiosa contra as figuras significativas
consideradas culpadas por tê-lo abandonado.” *
Resultante
da culpa inconsciente que Marnie sentia pelo crime que cometeu “Os cleptomaníacos teriam uma fragilidade
estrutural no superego (instância que representa a consciência moral)
acompanhada de uma necessidade de punição, de ser descoberto.”* Ser
descoberta e punida seria então sua a redenção e o fim de sua culpa.
A
cleptomania de Marnie também seria uma forma de reagir a um segredo familiar ao
qual ela não tinha acesso (evento traumático) e de substituir o ato sexual, já
que ambos, o roubo e o sexo, são proibidos. Já que Marnie considera o sexo sujo
ela o substitui pelo prazer do roubo.
Para
Winnicott “a criança que rouba algo não
deseja o objeto roubado e sim a mãe sobre a qual acredita ter direito.”
É filme
genial, desses que a gente não consegue parar de assistir e depois quer
assistir de novo e de novo. Assim como Mark nós (psicanalistas ou não) queremos
descobrir o que fez de Marnie essa mulher tão enigmática e psicologicamente
perturbada.
A
produção do filme carrega consigo muitas histórias. Quem ia interpretar Manie
era Grace Kelly mas ela acabou desistindo do papel. O roteirista foi demitido
por se recusar a escrever uma cena de estupro e Hitchcock teve uma série de
desentendimento com Tippi Hedren por quem ele mantinha uma paixão obsessiva
desde Os Pássaros. Talvez por todos
esses problema é que Marnie Confissões de uma Ladra seja tão fascinante.
Autora: Raquel Rocha- Graduada em Comunicação Social. Formação em Psicanálise e Especialista em Saúde Mental.
REFERÊNCIAS
*Revista Mente e Cérebro, Edição Especial n 36
Filme "Marnie- Confissões de uma ladra."
Ficha Técnica
Diretor: Alfred Hitchcock
Elenco: Tippi Hedren, Sean Connery, Diane Baker, Martin Gabel, Louise Latham, Bob Sweeney, Milton Selzer, Alan Napier, Henry Beckman, Edith Evanson, Mariette Hartley, Bruce Dern, S. John Launer, Meg Wyllie
Roteiro: Jay Presson Allen
Fotografia: Robert Burks
Trilha Sonora: Bernard Herrmann
Duração: 130 min.
Ano: 1964
País: EUA
Gênero: Suspense
Olá...me chamo gabriela e achei o seu site pois estava procurando alguns livros para baxar...
ResponderExcluirachei aqui mais o link saiu do ar...
tem como você mandar para o meu e-mail os livros desse link?
http://soliloquiospsicanaliticos.blogspot.com.br/2011/11/baixar-winnicott-o-brincar-e-realidade.html
Principalmente o O EU E O INCONSCIENTE DE Carl Gustav Jung -Obras completas
desde já agradeço
Oi Gabriela. Você esqueceu de deixar seu e-mail. Beijos!
ResponderExcluirMarnie é um filme que vale ser redescoberto, e sair da lista de "Hitchcock's menores".
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