"Só vim
telefonar" de Gabriel Garcia Marquez
Recentemente me deparei agradavelmente relendo,
desta vez a pedido de uma disciplina do curso de psicanálise, o texto Só vim telefonar de Gabriel Garcia Márquez,
um escritor que considero um dos maiores gênios da literatura ainda vivo (talvez
um dos últimos).
Vou me ater aqui apenas a considerações no
campo da saúde mental tendo em vista que não seria capaz de encontrar palavras
que descrevessem a grandiosidade dos méritos literários desse escritor genial.
Só vim
telefonar é uma das histórias de Doze Contos Peregrinos (1992). Um texto de narrativa cativante com toques de suspenses em que ele consegue expor claramente os traços do sistema
manicomial opressor da década de 70 bem como as complicadas questões intrínsecas
nas relações humanas.
Maria de la Luz Cervantes viajava sozinha
indo ao encontro do marido quando seu carro sofre uma pane no deserto dos
Monegros. Depois de várias tentativas desesperadas de pedidos de caronas aos
carros que passavam ela finalmente conseguiu ajuda de um ônibus que transportava
enfermas mentais. Maria então é deixada em um manicômio psiquiátrico e
confundida com uma interna.
Uma vez rotulada como doente mental Maria
perde sua autonomia enquanto sujeito e todo o seu discurso passa a ser sintoma
de sua doença. Não pude evitar a associação com a Ilha do Medo de Scorcese quando Daniels consegue fugir da instituição psiquiátrica e
em seu “delírio” encontra outra fugitiva que se esconde em uma caverna. Ela diz
que era médica e acabou sendo internada como louca após contestar as
experiências ilegais que se faziam com os pacientes daquela instituição. Então
ela afirma: “uma vez que te consideram louco, tudo o que você diz para negar isso passa a ser
sintoma da sua loucura”. É isso que
acontece com Maria de la Luz, uma vez diagnosticada como doente mental todo o
seu discurso passou a ser considerado fruto de sua insanidade. Dessa forma sua explicação de como chegou alí
repetindo “Só vim telefonar” passa a ser considerada uma “uma estranha obsessão
por telefones”. Também suas tentativas de fugas e rompantes emocionais pela
situação em que se encontrava são consideradas demonstrações/comprovações do
estado grave de sua doença.
O destino de Maria é cerrado pela mistura infortúnia
de um sistema manicomial ditador com um relacionamento fragilizado em que seu marido
acreditava ter sido trocado por um caso amoroso passageiro, avisando a polícia que não precisavam procurar por ela.
Maravilhoso conto do Gabriel Garcia Marques, querida amiga Raquel. Não havia lido ainda. E que lição para todos nós, hein? Não só na área mental, mas em outras áreas também poderemos ser vítimas de ideologias equivocadas, não sei se estou delirando... (rsssssssss). Obrigado por postar este magnífico texto. Abraços do Gilberto
ResponderExcluirJá fiquei fã do Garcia Marquez! Estou pelo meio de "Cem anos de solidão" e já acho o fôlego dele é fantástico! Acostumado a leituras mais intimistas, estou tendo catarses múltiplas com essa outra forma de narrativa.
ResponderExcluirA questão da instituição também faz lembrar uma situação que a personagem interpretada por Angeline Jolie passa, em "A troca", de Clint Eastwood.
ResponderExcluirRecomendo: "O amor nos tempos do cólera". É uma obra-prima.
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